terça-feira, 17 de abril de 2012

O Maior Homem do Mundo

A Austrália é um lugar mágico. O final de semana trouxe dias ensolarados e belas emoções. Domingo a noite, após uma tarde de pequenas ondas em Manly, eu observava o mar com a prancha de surfe ao meu lado. Já era tarde e eu tinha que voltar pra city. Meus tênis e a capa da minha prancha haviam ficado na casa de um amigo de São Paulo e ele só chegaria em casa pelas 9. Sem mais opções, decidi pegar o barco e os dois trens, carregando minha prancha sem capa, de pés descalços e calça jeans. Quando senti o frio nos meus pés, na estação de trem, praticamente pude ouvir: "Celo... Nao pisa na pedra fria de pé no chão...". Nesse momento pude enxergar um pequeno menino de cabelo crespinho correndo e brincando, enquanto um senhor barrigudo o observava fumando o seu cachimbo, nos fundos de uma certa casa em Torres.
Hoje, porém, o dia amanheceu cinzento e chuvoso. Já dizia há muito tempo que o facebook é uma ferramenta perigosa por não ter limites de informação. Às vezes, nos enganamos ao absorver uma informação errada. E, ontem, antes de dormir, dei de cara com a mais triste noticia. Rezei como nunca, com todas as forças da minha ingenuidade, para que fosse apenas mais um ato de alguém mal informado, mas não era. Mais tarde, confirmei que meu querido amigo e avô realmente adormeceu pra sempre. Nesse período, enquanto nao conseguia saber se era verdade, me permiti pensar mil coisas.
Vovô Sadi era um dos mais jovens herdeiros da família Pizzolotto, construída por um esperançoso e lutador casal de imigrantes italianos, e viveu uma das mais inspiradoras historias que eu tive o prazer de conhecer. Com uma infância repleta de "artes" e situações absurdas, cresceu na pequena cidadezinha de Ajuricaba, no interior do RS. Ainda jovem, partiu em busca de seus sonhos e de sua vida. E, creio eu, que mal podia imaginar a proporção de suas futuras conquistas. Dopado de tanto estudo e, mais do que isso, da coragem e ousadia de um verdadeiro leão, venceu o concurso que lhe cedeu início para uma longa e apaixonada carreira no Banco Central.  Minha avó conta que, após a aposentadoria, ele choramingava entre lamentos por deixar seu posto. E, de fato, permaneceu ligado ao Banco até seus últimos dias. Não apenas pelo amor ao trabalho ou pelo respeito que conquistou entre os colegas, mas pela amizade. Amizade transparente e fiel que eu tanto admiro e procuro construir com meus irmãos. Mas em momentos de descontração, Seu Sadi passava longe de um homem de negócios.
Algumas vezes eu tentava imaginar o que se passava pelo seu coração. Imagino eu, que seja o maior coração do mundo, capaz de brigar incessantemente com os mais fortes para proteger quem ama, e abrir a maior carranca para os folgados dos dias de hoje. Com seu nobre romantismo, mesmo em uma celebração de negócios, pude vê-lo declarar seu amor para a vovó Jenny. "droga, vovô! Se tu fizer sempre essas coisas, não posso mais ser o fotografo nos teus eventos" reclamava eu, por ter caído em lágrimas enquanto tirava fotos de seu discurso. Nao lembro exatamente como ele disse. Mas no auge de uma grande conquista para os aposentados do Banco Central, empunhando o microfone, dedicou tudo o que tem ao companheirismo da vovó Jenny. Contou brevemente que tudo começou quando apareceu na vida daquele italianinho de Ajuricaba, uma certa coloninha de Ijuí, comovendo a todos presentes. E concordo plenamente a respeito do valor de tal elegância. Esses dias mesmo, enquanto caminhávamos pelo parque, comentei com meu irmão que a vovó é a única pessoa do mundo que eu jamais levantaria a voz, que eu tenho total respeito. Sorte tiveram ao se encontrar o homem mais bravo e pensador e a mulher mais elegante e companheira. No dia em que ouvi esse discurso, já em casa, observava as fotos que havia tirado e encontrei uma que, pra mim, é o mais perfeito trabalho que ja fiz. Aprendi que grandes homens também choram.

Quem conheceu o Seu Sadi, certamente conhece seus netos. Dos quais os feitos ele tanto falava e fazia questão de endeusar, por mais bestas que fossem. Sempre foi sensível ao observar o que os impacientes não conseguem ver. Acho que foi esse o mais precioso ensinamento que eu pude tirar da sua existência.
Há meses atras, antes da viagem, nos surpreendia com textos, de sua autoria, repletos de profundos ensinamentos. A cada semana que passava, eu sorria quando recebia um novo. Peço desculpas por nao recordar exatamente suas palavras. Sei que trouxe esse papel e está em algum lugar na minha mala, mas agora estou bem longe de casa, na frente do rio em Darlin Harbor, refugiado da chuva forte. Me marcou a frase que dizia que, ousadia, é quando o coração diz para a coragem: "VAI!", e a coragem vai mesmo. E completo dizendo que a ousadia é o que torna os momentos inesquecíveis. Ousadia que ele teve, mais do que nunca, quando abriu mão dos últimos momentos ao lado de seus netos, em prol do futuro deles. Graças a ele que estamos aqui, vivendo esse sonho.
Quando fiz 18 anos e fui votar pela primeira vez para presidente, tive dificuldade. Não conseguia encontrar em lugar algum as teclas "V" e "O". No colégio, quando tínhamos que descrever nossos avós em forma de texto, eu sempre começava a parte do Vovô Sadi com alguma coisa como: "vovô é grande, forte, gordo...". Hoje, sei que sua grandeza não era apenas física, mas vinha da nobreza, da coragem e da ousadia. Para mim não é errado nomeá-lo como "O Maior Homem do Mundo".
Algumas vezes, as pessoas nao conseguiam entender se ele realmente sabia o que estava fazendo. No final, ele ia lá e fazia com perfeição. Se ele me dissesse que se tu enterrar uma colher, vai nascer cenoura, eu provavelmente prenderia o riso. Mas quando não sobrasse nenhuma colher na gaveta, eu saberia que certamente iríamos comer muita cenoura. Na ultima vez que conversamos pelo Skype, ele disse: "o vovô, agora, vai ficar um tempo sem falar com vocês, mas não se preocupem...". E por mais que os estudos sobre a humanidade não possam confirmar, acredito nele. Acredito que esse "um tempo" pode durar uma vida inteira, mas irá chegar. E se, nesse dia, eu puder representar para alguém um quinto do que ele representa para mim, certamente eu já serei um gigante.

See you in heaven, Grandpa... R.I.P

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