segunda-feira, 21 de maio de 2012

Are you gonna play?

Cada vez me sinto mais eu mesmo. Sentimentos que, poucas vezes, tive a oportunidade de sentir antes. Cada vez me sinto mais longe de Porto Alegre, mas cada vez me sinto mais perto de onde eu vim. Não venho de um lugar exato. Venho de uma família abençoada, de amigos gigantes, de experiências insanas e de corações iluminados. De braços que me estrangularam com força e mãos que me levantaram vôo. Tudo isso é o que eu chamo de educação. E aí não excluo do meu vocabulário nenhum palavrão, nem da minha cabeça nenhum ideal negativo. Desprezo a fala e, constantemente, preciso tirar minhas férias de conviver com pessoas. Mas o que se pode fazer de tão especial quando se está sozinho? Milhares de coisas, muito mais do que débeis mentais escolhem chamar de tristeza, ou algo tipo "forever alone".

Sempre que escrevo aqui, acabei de passar por alguma coisa que me deixou maluco. Ou, na verdade, uma série de fatos que me deixaram maluco. E, dessa vez, um deles foi uma preciosa experiência que eu escolhi transformar em rotina. Tudo começou quando eu voltava de ônibus do Cargo Bar, noite em Darling Harbor, na beira do rio. O problema das noites daqui é que a gente sempre tem que caminhar pra caralho e pegar um bus cheio de gente gritando pra caralho. Aquela cena clássica de gurias sentadas e caras tentando impressionar com um jogo manjado e besta. Nesse dia, meti meus fones nos ouvidos e coloquei um NOFX bem alto, pra deixar minha mente fugir dali. "where are all these stupid people from? And how they'd get to be so dumb?" Entendo perfeitamente... Na minha cabeça: "puta que pariu ainda não arranjei um trabalho." E foi aí que me dei conta... Aqui tem músicos de rua por toda a parte e eu sei tocar alguma coisa. Quando uma coisa entra na minha cabeça ela nao sai mais.
No outro dia, de manhã, depois de poucas horas de sono, peguei minha viola e saí com meus fones de ouvido pra procurar um lugar que eu pudesse começar minha carreira de mendigo. Muito nervoso, inseguro e sozinho caminhei pelas ruas de Rockdale, até que um senhor me chamou.
"Are you gonna play?" perguntou observando minha viola.
"Sim! Quero tentar fazer algum dinheiro, mas nao sei exatamente aonde vou parar" respondi.
Ele perguntou se eu sabia alguma coisa do Jason Mraz. Eu disse que não gosto muito, mas toco alguns artistas semelhantes como Jack Johnson, John Mayer, Pete Murray... Ele disse:
"Então toca um Jack Johnson. Eu sou alguém na rua e, se tu tocar bem, te dou um dinheiro." Comecei a tocar No Other Way e quando eu vi ele estava cantando junto, fazendo uma espécie de backing vocal... Foi uma das vezes mais doidas que eu já toquei.
Enquanto eu tocava, um outro amigo dele chegou e ficou todo pilhado ouvindo. Os dois juntaram algumas moedas e largaram no meu bolso. Eu nem quis olhar quanto era e, na hora, não soube porque. Ele me disse onde eu deveria ficar e completou: "Não fique nervoso... Tu não acabou de fazer isso agora? Então tu é capaz de fazer de novo." E essas palavras me moveram nas ultimas semanas.

Em momento algum, parei pra conferir o dinheiro que tinha ganhado. Isso eu só faço em casa. É claro que eu preciso do dinheiro... Mas passar uma hora e alguns minutos sentado na rua fazendo o que eu mais gosto e ainda recebendo sorrisos e olhares de todo o tipo de gente, ouvindo comentários totalmente significativos é completamente impagável. Mas é um trabalho inacreditavelmente pago. Hoje, das 5 e 20 às 7 e 30, bati o meu recorde. Recebi 50,05 dólares... Meu coração tá mole como uma batata assada, mas não pelo dinheiro.
Hoje, saí muito irritado. Irritado por causa daquela velha questão que martela minha cabeça há anos. É impossível me levar a sério. Porque eu sou um vagabundo que não trabalha só pra ir atrás do que gosta. Porque eu sou um grosso, mal educado e machista, mas jamais deixei quem eu amo se enfraquecer na minha frente. E porque eu estive vendo cada vez mais minha outra vida se dissolvendo no ar. Caminhos que eu percorreria incansavelmente sendo percorridos sem a minha presença. Foi a primeira vez que eu comecei a sentir na viagem o sentimento da perda evitável, mas intocável. Nada posso fazer pra manter amizades, ir ao estádio apoiar meu time ou fortalecer qualquer laço que eu dei valor. Mas, por outro lado, sinto minha família e meus mais fiéis amigos do meu lado. E esses crescem mais ainda no meu coração. Não deixam que eu me sinta fraco e, pelo contrário, criam em mim a força de duas vidas. É tudo minha força de vontade somada ao "bá! Vou ter que contar pra eles". E aí, mais uma vez, me sinto bem acompanhado sozinho, o que é muito melhor que se sentir sozinho bem acompanhado.

Meu porquinho do Toy Story, que a Carol me trouxe da Europa, está recheado de sorrisos em forma de moedas. Meu boné da etapa de Bells Beach do WCT se tornou mágico. Meu uniforme? Calça de moletom, o velho moletom do pai e camisa xadrez por cima. Não muito diferente das roupas que eu me considero bem vestido pra sair em Porto Alegre. E minha mente está cada vez mais infinitamente cheia, mas nunca pesada. Fluindo tudo o que eu ouvi das pessoas na rua.
Hoje, uma hora que parei pra tomar uma água, um cara chegou e perguntou o que eu tava tocando. Eu disse que várias coisas e ri. Ele reclamou um pouco do frio e eu disse que pra mim não era problema, pois na minha cidade era mais frio que aqui, "I'm addicted". Fiquei conversando com ele até que ele disse "I'm waiting for my boyfriend". Ele começou a rir por causa da minha cara. Eu acabei rindo também. Voltei a tocar, pois tinha gente vindo. Mas porra... Porque eu fui tocar uma música romântica do John Mayer logo nessa hora? Depois que eu terminei comecei a tocar na gaita um blues. Quando terminei, vi um dos caras que me deram moeda maluco ouvindo: "Maan... It was really great!" Eu ri e agradeci. Em seguida, quando o lugar esvaziou, o cara anterior voltou. Pensei que o ele era legal e tinha gostado de me ver tocar. Ele disse:  "Meu Deus! Você é multi talentoso..." eu ri e agradeci. Até que ele passou dos limites: "Tu não tem algum... Amigo... Pra me apresentar?" Eu disse "Sorry... I don't have." E ele foi embora. Estranho...
Antes disso, nesse domingo, já estava com minha cabeça atucanada pelos mesmos motivos. Tava chovendo, frio e no coastalwatch.com o mar tava todo mexido e fraco. E é claro que eu fui surfar. O Rodrigo, cansado da primeira semana de trabalho na cozinha do bar das coxinhas e despilhado pela previsão das ondas, acabou ficando em casa. Era o meu momento de ficar sozinho. Dessa vez fui bem mais cedo, pra dar mais surfe. No trem, sozinho com o vagão inteiro só pra mim, sentia meu coração bater forte de ansiedade pra chegar na praia. O caminho de meia hora é repleto de paisagens incríveis pra admirar. No outro vagão, duas loirinhas e um cara brincavam e tiravam fotos. Mas o mais importante, ainda era o inicio da tarde.
Ao mesmo tempo que eu chegava em Cronulla, a chuva parava. Não deu outra, enquanto eu entrava no mar, os arco-íris começavam a aparecer, e eu surfei no meio deles. As ondas estavam lisinhas e longas, lá do outro lado da praia, onde a câmera toda pixerizada do coastalwatch não mostrava. Fiquei até anoitecer. Antes de sair, me joguei numas 5 saideiras, nas paredezinhas que rolavam mais pra beira, rindo como uma criança e sozinho na praia. No vestiário, aberto às estrelas, depois de me trocar, rezei. Agradeci à Deus por eu ter essa mente teimosa de outro planeta e ao meu avô por ter realizado meu sonho, por ter me dado tudo que eu sempre quis, por ter me entregado à droga da felicidade...
Depois, já que estava sozinho e sem pressa pra comer, caminhei lentamente pelos bares da beira da praia observando tudo. Em um deles, um cara bom demais fazia um sonzinho ao vivo. Fiquei ali ouvindo, do lado de fora, pois o bar é ultra caro. Ao som de covers acústicos de It aint over till its over, do Lenny Kravitz e Highway to hell, do AC/DC, entre outros, contemplei o memorial das garotas australianas que morreram em Bali no atentado terrorista em 2002, que eu já tinha passado mil vezes na frente e nunca tinha parado pra olhar.
Quando estava esperando em frente a faixa de segurança o sinal fechar para eu ir comer, o cara tocava Sunday Morning do Maroon 5. Um véio meio bêbado começou a resmungar do meu lado reclamando da música, toda moderninha e tal. Eu ri bastante e disse "Stop, man... He's playing well."

Já em casa, contei tudo para o japonês que mora agora aqui com a gente e que seguido passa quando eu to tocando e tira umas fotos. Ele é engraçado e curte quando eu toco um 311 na viola. Sempre ri de tudo, como desse vídeo, por exemplo:

Depois de tudo isso, deitei pra dormir com as palavras de um verdadeiro gênio na cabeça. Humildemente, e tambem para treinar meu ingles, tentei traduzir. Essa lição de vida é do documentario September Sessions, produzido pelo Jack Johnson. O filme acompanha uma viagem do Kelly Slater e uns outros caras na Indonésia. É uma honra pra mim me identificar com palavras de tamanho gênio, que encerram o filme...
Às vezes, temos a chance de estar sozinhos mas não podemos... Você não percebe o quanto fica distraído quando está cercado de gente. Fica difícil de realmente aproveitar tudo. 
Mas, chega uma hora, que você vai nessa viagem, com a mente pronta pra ir pra longe de todo mundo, apenas surfando por você mesmo. É bom chegar a esse ponto... Sabe, apenas estar na água e aproveitar tudo em volta. Ficar sentado na água observando tudo em volta. Sentir a temperatura da água, a sua cor.  Observar as aves voando, ou mesmo apenas a direção do vento. A maneira que você sente o vento, se está muito quente, é refrescante. Sabe, todas essas coisas vindo juntas... Se a sua mente se distrai com mais alguém, você não tem a chance de aproveitar tudo isso. 
Eu lembro que estive tão de cabeça limpa o tempo todo... E realmente disponível pra aproveitar tudo isso.

Kelly Slater 

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